Era tão boa a vidinha no campo...







quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

ESTÓRIAS Do Mê ALEGRETE ..e outras coisinhas do campo V




Era um daqueles dias em que o calori me atordoava, nem o vento mexia nem nós respirávamos, embora todos se sentissem vivos no me Alegrete. Era mesmo um daqueles dias que foram feitos para nada fazer. O fim da tarde chegava de mansinho e eu cansada, assenti-me na soleira da porta olhando o horizonte, que todos os dias era o mesmo mas eu conseguia ver sempre diferente. Bem, senti-me e fiquei ali a nada fazer..e nem imaginam as coisas que se fazem assim. Ao longe o ti Chico conduzia o carro das mulas para o monti..aceni-lhe ..assim com um levantar de braço único, daqueles em que parecemos querer tocar no céu, e de lenço na mão em vez de estar na cabeça (por mondi me abanar com ele) fiquei ali sem contar o tempo a dar a dar com o braço e sem nada dizer, o ti Chico era bom homi, calmo e sempre de poucas palavras (acho que só aprendera as certas e sabendo-lhe o valor não as usava em vão), olho-me lá de longe e de chapéu na mão repetiu o mesmo gesto que eu fazia com me lenço…naquele momento entendi todas as palavras que ele não disse e sei que também ele sorria…queria-me bem e eu bem lhe queria. Passado algum tempo, nem sei se muito se pouco (no me Alegrete ninguém sabia ver as horas, só os minutos eram contados..mas longos, muito longos os minutos aqui) senti que alguém se aproximava, só depois vi ser o Ti Chico que já a pei resolvera vir nada fazer comigo. Bôtardi, disse ele. Bôtardi ti Chico, respondi. Ele sentou-se junto a mim e encostando a enxada à parede olho-me mais uma vez, fica bem com o cabelo ao vento melher, disse ele daquela forma que só ele sabia dizer coisas sem jeito..pois se algo não havia naquela tarde era vento..acho que me assubiram os sangues à cara..mas disfarci a coisa e nem respondi… Suspiramos os dois enquanto fixamos o olhar naquele horizonte onde todos os dias se punha o sol..pla primeira vez nessa tarde, em que nem o vento mexia nem os seres respiravam, se viram mexer os ramos das árvores e tenho a certeza que vi duas moscas perderem o controle do voo ..quase quase a certezinha!! Naquela tarde o sol levou toda uma vida a se pôr…só quando a noite caiu de repente é que eu e o Ti Chico nos demos conta que já eram horas diferentes, já cantavam os grilos, o gato procurava o tapete para se enroscar, as minhas mãos perderam a suavidade de outrora, não sei como mas o lenço cobria.me novamente a cabeça, ele parecia mais baixo e tinha chapéu no lugar dos cabelos pretos, sim já eram horas diferentes. Levantou-se e segurando-me a mão disse até amanhã, sorri e contive as palavras que não sabia certas. Amanhã talvez volte a ser dia em que o vento não sopre, em que não se respire no meu alegrete, e ai voltarei a ter cabelos soltos ao vento mesmo quando vento não há e passarei toda a tarde a nada fazer…

3 comentários:

  1. Agora sim! ... um blog a sério. Não é como aquela coisa do "Olácinco" onde a menina às vezes escrevia umas gracinhas. Ora ainda bem, que assim sempre lhe podemos mandar umas bocas. ;) beijos

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  2. Pode-se não fazer nada em termos corpóreos, mas o espírito sempre labuta. O contemplar do horizonte, onde sempre se descobre um pormenor nunca antes visto ou ouvido, é, na verdade, uma intensa actividade endógena, a tal ponto que o tempo discretamente passa por nós sem anunciar a sua presença... Também tenho um Ti Xico como vizinho (600m em linha recta) :) Gostei da imagem referente ao teu Ti Xico, "homem de poucas palavras que não as desperdiça em vão por saber o seu valor..." identifico-me parcialmente com ele... (embora assim de repente e à primeira vista não pareça) :)
    Beijinho.

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cavadelas